Nos bailes da vida
A voz de veludo — assim eu o chamava na adolescência, quando a juventude me inquietava diante da vida, nos lugares interioranos do Rio Grande do Sul. Aquela voz trazia um quentinho ao coração.
Muitas vezes escolhi viver o baile da vida de forma solitária. Nunca fui dada a multidões. Havia em mim um certo desconforto em pensar que o destino pudesse me transformar em uma pequena flor, condenada a murchar rápido no espaço-tempo.
Preferia os livros e as músicas. Era uma escolha que parecia destoar das descobertas inconsequentes próprias da idade.
Ele, Milton, junto a alguns contemporâneos, preenchia os vãos dos meus anseios.
Era o tempo dos LPs.
Os anos passaram. Andarilhei por cidades, ganhei lugares, visitei jornadas diversas. E, de forma discreta, acompanhava sempre com encantamento a figura cantante que adoçava o cotidiano das agruras.
O sonho da menina-mulher permaneceu. A maturidade chegou e, com ela, a dádiva de assistir a dois shows ao vivo do meu ídolo de voz potente e veludosa. Reverenciei esses momentos como uma elegia doce e nostálgica.
As almas se enriqueceram, o coração se alegrou, como nas descobertas de corações de estudante, como na epifania do Cio da Terra, como nos encontros com gigantes: Chico, Mercedes, Gal, Pablo e tantos outros. Mas ele, Milton, sempre foi a voz de veludo.
Agora se aproxima a sua retirada para o mundo interior — aquele onde dormem seus afetos, seus sonhos, e que só ele conhece. Não me entristeço. O legado é grandioso demais para ser diminuído pelo desconsolo.
Ele escolheu o recolhimento com a aquiescência do Universo, talvez para que sua transição planetária seja mais leve. Virou menino de mãos dadas com o filho.
Ave, Milton Nascimento.
Sua voz de veludo merece descansar do mundo. Ela permanecerá por aqui.
Honro sua história.
Gratidão.
Maria Luiza kuhn/outubro 2025