Eu, passarinho, não passarei!
A casa museu e seus jardins, bordados de rosas de todas as cores e o ar primaveril, anunciavam a proximidade do verão.
O banco e uma sombra generosa na alameda da quinta, casa que fora residência de verão de Federico Garcia Lorca, o poeta granadino, me receberam em Granada, na Espanha.
Em êxtase, com o cuidado de quem carrega uma preciosidade, estava em mãos com o livro Romanceiro Gitano, adquirido no idioma sonoro da sua língua materna.
Os poetas e loucos tem privilégios. Sou desta espécie. Por exemplo, costumam ouvir coisas. Neste dia ouvia murmúrios que logo identifiquei como a conversa que fluía entre um poeta e outro. Lorca conversava com Neruda. O primeiro contava sobre atrocidades que estavam acontecendo com o Governo golpista e sangrento do Generalíssimo e Neruda tristemente anunciava que precisou fugir a cavalo da Argentina por conta de outro “Comandante” atroz. Agora estava finalmente exilado na Europa. Eram épocas diferentes. Mal sabiam que, no tempo linear, Lorca já fora fuzilado por defender a poesia e a liberdade, não necessariamente nesta ordem.
Neruda não tinha o reconhecimento mundial e nem fora ainda senador do seu país. Eis que chega na conversa Thiago de Mello, um amazonense da gema. Falando da terra, dos rios e do seu povo. Perseguido por outra ditadura no continente americano, de um país chamado Brasil, falava da intolerância e dos porões da ditadura. Contava até de um ato institucional número cinco, do qual hoje muitos zombam, porque desconhecem o que é estar totalmente tolhido de liberdade. Pobres jovens! Pobres adormecidos, confabulavam os poetas.
Em pleno século XXI, quando já podemos nos sentar nestes bancos rodeados de flores e aromas, volvemos a sentir o perigo do extremismo em muitos lugares, afirmam os poetas.
No frenesi do momento, tento gritar: Sim, no Brasil estamos temendo, estamos tremendo. Mas percebo que emudeci de repente. Pelo privilégio de viver entre mundos de poetas? Pela dor? Pelo medo?
Os poetas seguiam sua conversa, trocando poemas de suas obras literárias, como O Romanceiro, Faz escuro, mas eu canto e Crepusculários.
Há diversos passarinhos neste parque, que Lorca visitava em muitos verões. Sinto-me repentinamente carregada de tristeza. Nostalgia? Indignação? Difícil despedida deste lugar tão lindo e deste devaneio precioso, embora triste?
Queria tanto, mas tanto, poder contar tudo que sei para quem não sabe ou não quer ver e saber. Não porque tenho somente opinião, mas porque vi e vivi muitas coisas. Porque li nos livros e não apenas em redes sociais ou nos grupos que proliferam inverdades. Minha voz é fraca, mesmo assim as palavras teimam viram escritas e não me calam.
Finalmente, preciso pegar o trem e depois retornar de vez, eu sei, mas em meio à cantoria do passaredo, no final daquela tarde em Granada, ouço a voz de Mario Quintana, nosso grande poetinha:
Eles passarão, eu passarinho!
Maria Luiza Kuhn 2022 — Viagem à Espanha.
IMAGEM GOOGLE CASA MUSEU LORCA