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Diz-se que, certa vez, uma árvore falou.

Não com palavras rijas ou ruídos do vento, mas com o timbre morno do cansaço antigo, àquele que costumava ouvi-la sem pressa — um jovem gato de olhos mansos, que se fartava dos pequenos frutos caídos à sombra de sua raiz.

— Ah, meu caro Gato… Na primavera, eles vêm aos montes. Zebras, cavalos, macacos, até elefantes. Dançam sob meus galhos, cantam nas minhas copas. É festa, é riso, é vida.

— E isso lhe incomoda?

— Não a festa… mas o que vem depois. Quando chega a seca e o sol pesa nos ombros,
ninguém retorna. Não há quem me traga sequer um gole d’água, ou um olhar de lembrança. Fico aqui… sozinha, esquecida, vazia. É como se eu nunca tivesse existido.

Enquanto a árvore suspirava em folhas, o Gato se espreguiçava no tronco, subia devagar, buscando abrigo entre os galhos.

— Talvez eles só estejam sendo o que são… E tem certeza de que nada lhe deixam?

— Tenho sim. E por isso, tomei minha decisão: não mais darei frutos. Quero ver se, sem meu doce encanto, se lembrarão de mim.

— E consegue fazer isso?

— Consigo. Basta filtrar o que absorvo do solo, virar minhas folhas contra o sol, e esperar.

O Gato nada disse. Deitou-se entre os ramos e, como sempre, dormiu em paz.

A primavera veio… e a árvore, fiel ao seu plano, se calou.
Nada de flores. Nada de frutos. Apenas silêncio.
Os bichos passavam… alguns hesitavam… mas todos seguiam caminho.

E foi então que os espinhos cresceram.
Sem aviso, sem desejo.
Apenas nasceram.
Do tronco.
Dos ramos.
De si.

A sombra rareou.
As folhas caíram.
E tudo que antes acolhia, agora feria.

Tempos depois, como sempre fazia, o jovem Gato voltou.

— O que houve contigo, minha amiga? Onde estão teus frutos, tua sombra?

— Algo deu errado… não era isso que eu queria.

Por instinto, ele tentou subir — queria dormir ali mais uma vez. Mas os espinhos feriram sua pele, e o sangue lhe escorreu.

Assustado, partiu.
E nunca mais voltou.

Dizem que a árvore viveu ainda muitos anos… testemunha muda das festas que aconteciam em outras sombras, em galhos que ela já não possuía.

E sussurram as raízes que o Gato… não resistiu às feridas.

Buscava apenas o que sempre buscou: um punhado de sombra, um ninho entre folhas, e a companhia de quem, um dia, soube amar — sem cobrar.

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O amor, dizem…
é como a primavera:
nasce primeiro
em quem se dispõe a florescer.