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O homem empurrou a porta de madeira rangente e entrou no Bar dos Velhos Assuntos. O lugar era o mesmo de sempre: mesas de bilhar riscadas pelo tempo, uma jukebox que descansava ao fundo esperando uma moeda para cantar velhas canções, fumaça suspensa no ar e mulheres expostas que sorriam sem sorrir.
Ele caminhou até o balcão e perguntou à dona do bar, sem rodeios:
— Quanto fiquei devendo?
Ela lançou um olhar que misturava compaixão e cansaço. O homem pagou. Respirou fundo. Estava, por um instante, livre.
— Estou apenas de passagem — disse, afastando o copo que o barmen já se apressava em encher.
O barmen — um sujeito de olhos fundos e sorriso enviesado — insistiu:
— É cortesia da casa. Não precisa agora... deixo aqui, caso queira. Sei que esse sabor pode te trazer de volta a ela. O perfume, o gosto... talvez como se, por um instante, ela estivesse sentada ao seu lado outra vez. Não se preocupe.
— Apenas um café... por hora.
Sentou-se, então, em uma mesa próxima, ladeada por rostos que lhe pareciam familiares. A taça permaneceu no balcão, discreta, como uma tentação silenciosa.
Ele tentou ignorar, mas o bar — com sua penumbra e o murmúrio constante de vozes gastas — o puxava de volta para a roda que já conhecia: velhos rostos, velhos assuntos. As cartas batiam sobre a mesa vizinha, chamativas como quem veste recompensa, mas carrega o oposto. O riso dela se insinuava no ar, como perfume recente, cítrico, misturado ao cheiro putrefato de terra revolvida, vermes e bebida velha, daquelas que jazem esquecidas - não-bebidas - no armário. O homem suspirou fundo. Estava ali. E, afinal, o trago já o esperava.
Levantou-se devagar, deixando para trás a xícara de café ainda pela metade. Caminhou como quem segue em direção a uma lembrança inevitável. Os olhos se demoraram por um instante no companheiro de mesa silencioso — um homem de estatura comum, que fazia girar uma caneta entre os dedos, como se escrevesse sem escrever. Então, seguiu até a jukebox esquecida no canto do bar e escolheu uma canção que parecia ter sido feita para ele: “My Own Prison”, do Creed.
A voz arrastada e melancólica se espalhou pelo ambiente, ocupando cada fresta da penumbra. Era como se a música tivesse vindo de algum lugar remoto do tempo, carregando culpas antigas, amores mal resolvidos, memórias que se recusavam a morrer. O bar inteiro foi preenchido pelas palavras que ecoavam envolvidas (amarradas) em acordes vagabundos...
Voltou ao balcão, olhou para o barmen, entornou o primeiro gole. Só um gole. Apenas isso. Mas o gosto amargo e acolhedor, queimando-lhe a garganta, parecia abrir uma fresta em sua alma. Uma brecha por onde voltavam fantasmas antigos, trazendo consigo o peso de tudo o que ele acreditava (ou apenas desejava) já ter resolvido.
Mas o trago, cúmplice, pedia mais.
Sentou-se na mesa de carteado, apostando algumas moedas. Perdeu. Levantou-se, contrariado. Prometeu a si mesmo que era o suficiente.
Até que uma mulher de vestido gasto e olhar profundo se aproximou. Sentou-se ao seu lado. Conversaram. O tempo, como sempre, foi o primeiro a se dissolver. Ele chamou o barmen com um gesto breve:
— Mais um trago.
E depois outro. E outro.
Quando a noite já se inclinava para o fim, ele deixou o balcão como quem abandona uma promessa quebrada. Saiu cambaleante pela porta pesada, e a rua o engoliu em silêncio: sombras compridas se arrastavam pelo chão, as luzes vacilavam em seus postes desgastados pelo tempo, e a garoa fina, como um pranto discreto da cidade.
Era madrugada — a hora em que os fantasmas do passado espreitam, as memórias mais sombrias tomam de assalto os desprevenidos... e o diabo, paciente, fica com o resto.
Atrás do balcão, a dona do bar permaneceu imóvel, observando a porta ainda balançar. Sua voz, baixa como uma prece murmurada, rompeu o silêncio:
— Ele pagou a conta?
O barmen ergueu os olhos, sorriu torto e balançou a cabeça em negativa.
— Não importa... — disse, com a certeza de quem já vira a cena repetida vezes demais. — Ele sempre volta.
Com movimentos lentos, recolheu a meia garrafa abandonada no balcão, limpou sua taça marcada e a pendurou no lugar de sempre, como um ritual destinado a esperar. O gesto, entretanto, não era apenas rotina...